Espacios. Vol. 34 (9) 2013. Pág. 7


“Em Boa Companhia”: um estudo observacional sobre a subjetividade nas relações de trabalho

“In Good Company”: an observational study of subjectivity in the workplace

Christiane Batista de Paulo LOBATO 1; Alessandro Vinicius de PAULA 2 y Lauisa Barbosa PINTO 3

Recibido: 20-09-2013 - Aprobado: 25-09-2013


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RESUMO:
Diante das várias mudanças na organização do trabalho nas sociedades capitalistas, configura-se um contexto de precarização, flexibilização do emprego, aumento do desemprego e novas formas de relações de trabalho talhando no sujeito trabalhador uma relação dialógica com seu trabalho. Desta forma, o presente estudo tem como objetivo relatar, por meio de um estudo observacional, como o filme “Em Boa Companhia” retrata a subjetividade no trabalho na contemporaneidade. Os dados foram analisados visando buscar elementos da narrativa utilizando as bases teóricas para refletir seus conjuntos de questões, literaturas e novas interpretações, ajudando a pôr em foco certos dados e orientando toda a análise do estudo. Por fim, concluiu-se que a relação dicotômica mostrada pelo filme entre o novo e o velho funcionário se dá, principalmente, através de aspectos inerentes ao “novo modo de trabalhar” e ao “velho modo de trabalhar” que caracterizam a subjetividade estabelecida com o trabalho.
Palavras-Chave: estudo observacional; subjetividade; trabalho.

ABSTRACT:
Given the many changes in work organization in capitalist societies, sets up a context of uncertainty, flexibility of employment, rising unemployment and new forms of labor relations in the subject worker carving a satisfactory relationship with their work. Thus, this study aims at reporting through an observational study, as the film “In Good Company” portrays the subjectivity at work in contemporary society. Data were analyzed to find elements of the narrative using the theoretical basis to reflect their sets of issues, literature and new interpretations, helping to bring into focus certain data and guiding the whole analysis of the study. Finally, it was concluded that the dichotomous relationship shown by the film between the old and new staff takes place mainly through aspects inherent in the "new way of working" and the "old way of working" that characterize subjectivity established with the work.
Keywords: observational study; subjectivity; work.


1. Introdução

Vários elementos, incluindo a precarização do trabalho, fazem parte do novo metabolismo social que se manifesta da reestruturação produtiva (Alves, 2009), com impactos diretos sobre o trabalho e direcionamento para novas condições de empregabilidade (PEREIRA; BRITO, 2006).

As transformações na organização do trabalho compõem o quadro da reestruturação produtiva, permeadas por fenômenos como globalização, livre mercado, aumento da competitividade, alteração nos padrões tecnológicos, configuração de políticas neoliberais, gestão da força de trabalho, modificações nos processos de produção, tele trabalho e formas desterritorializadas de trabalho, permitindo a construção de uma organização flexível, empreendedora, criativa e pouco burocrática. (CARRIERI, 2002; PEREIRA; BRITO, 2006; ROSENFIELD, 2004). Segundo Nohria e Eccles (1992) o termo rede tornou-se “moda” para descrever organizações contemporâneas em resposta à “nova competitividade” e à “nova tecnologia”, tentando redefinir suas relações com vendedores, consumidores e competidores, porém empregando menos e mais precariamente seus funcionários.

Diante das várias mudanças na organização do trabalho nas sociedades capitalistas, desencadeia-se um contexto de precarização, flexibilização do emprego e aumento do desemprego, seja pela diminuição nos postos de trabalho formais, seja pelas dificuldades impostas pelas novas condições de empregabilidade. Desencadeia também novas formas de relações de trabalho e a emergência de novos sujeitos sociais, evidenciando o sujeito trabalhador em uma relação dialógica com o trabalho, impulsionando um debate acerca do papel do trabalho na sociedade contemporânea (PEREIRA; BRITO, 2006; ; PEREIRA et al., 2008; ROSENFIELD, 2004).

As diversas manifestações subjetivas são produto da história e cultura internalizadas organizadas, e remetem às formas de interpretação características de determinada realidade social (PEREIRA; BRITO, 2006). Diante das várias mudanças na organização do trabalho nas sociedades capitalistas, desencadeia-se um contexto de precarização, flexibilização do emprego e aumento do desemprego, seja pela diminuição nos postos de trabalho formais, seja pelas dificuldades impostas pelas novas condições de empregabilidade. Desencadeia também novas formas de relações de trabalho e a emergência de novos sujeitos sociais, evidenciando o sujeito trabalhador em uma relação dialógica com o trabalho (PEREIRA et al., 2008).

Desta forma, o objetivo principal deste artigo é relatar como o filme Em Boa Companhia retrata a subjetividade no trabalho na contemporaneidade.

2. Referencial Teórico

Optou-se neste trabalho pela utilização das concepções teóricas sobre subjetividade de Vygotsky, por serem consideradas as mais adequadas à pesquisa.

Partindo da afirmativa de que o que os indivíduos interiorizam são os modos históricos e culturalmente organizados de operar com as informações do meio, segundo Vygotsky (2000), o homem é um ser histórico-social, é moldado pela cultura que ele próprio cria. O homem se constitui ao longo de sua vida a partir de sua atuação em um mundo material/cultural; é por meio da relação com o outro e por ela própria que o indivíduo é determinado; ao mesmo tempo em que o homem transforma o seu meio para atender suas necessidades básicas, transforma-se a si mesmo.

O autor afirma que, no momento de organização e reelaboração dessas experiências, deve-se levar em consideração a vida em sociedade e a cultura como um produto da vida e da atividade social. Sendo assim, trata-se de uma abordagem histórico-cultural da constituição da subjetividade (PEREIRA; BRITO, 2006, p. 151).

Vygotsky parte da concepção de que todo organismo é ativo e estabelece contínua interação entre as condições sociais e a base biológica do comportamento humano. Dessa forma, o autor considera que as funções psíquicas são de origem sociocultural, pois resultam da interação do indivíduo com seu contexto cultural e social, ou seja, da internalização dos modos historicamente determinados e culturalmente organizados. O sujeito passa a ser visto como um ser ativo, social e histórico (BOCK e BOCK, 2005; LUCCI, 2006; REGO, 1995).

De acordo com Vygotsky, a linguagem, símbolo que carrega em si os conceitos generalizados e elaborados pela cultura humana, materializa e constitui as significações construídas no processo social e histórico (LUCCI, 2006; REGO, 1995).

É pelo trabalho que o homem, ao mesmo tempo em que transforma a natureza para satisfazer as suas necessidades, se transforma também. O homem vai colocando no mundo novos objetos que contêm as novas aptidões que vão se formando no homem ao construir o novo objeto, caracterizados pelos objetos de sua cultura, nas atividades que se consolidaram como formas de atender às necessidades humanas, nas próprias necessidades humanas, na linguagem que utiliza para pensar, planejar e se expressar e nas formas de relações sociais que constituem como possíveis e adequadas para a reprodução da vida. Tudo que está no mundo social é construção humana, portanto, nada é estranho ao homem (BOCK e BOCK, 2005; LUCCI, 2006).

Por isso, o trabalho é uma categoria fundante do ser social, que viabiliza as transformações nas relações materiais de produção e reprodução humana, tendo no desenvolvimento das forças produtivas, o ponto de partida para o desenvolvimento de novas necessidades, modificando o homem nas dimensões objetiva e subjetiva, determinando a relação complexa entre existência e consciência (OLIVEIRA, 2008, p. 218).

Entrar no mercado de trabalho configura, além da garantia de um salário, a conquista de uma identidade social pela qual o reconhecimento surge, pela sua produção, pelo valor que agrega à organização a qual pertence. Manter-se empregado e produtivo demanda um elevado gasto de energia psíquica, principalmente em tempos de desemprego e alta competitividade, além do abandono de suas vontades em prol da organização a qual sua identidade e seu “eu” pertencem; como bom trabalhador, deve- se dispor a trabalhar mesmo em contextos desfavoráveis. Caso não seja mais eficaz, será substituído por outro indivíduo mais capaz e preparado, que se encontra a espera de uma nova oportunidade devido ao grande exército de mão de obra de indivíduos que estão excluídos do mercado formal de trabalho (CARVALHAES, KURIKI e SILVA, 2011; VALENTE; LEITE, 2009).

O princípio que guia a organização do trabalho é o de modificar os comportamentos de tal forma que, gradualmente, os trabalhadores sejam conduzidos a desenvolver atitudes positivas com relação às funções executadas, à empresa que os emprega e a eles próprios. É o comprometimento com o trabalho que constitui o principal indicador de uma organização eficaz (MORIN, 2001, p. 09).

Com as metas inalcançáveis, o trabalhador toma como dever o aperfeiçoamento constante e passa a cobrar de si as competências necessárias para a execução das tarefas, sendo imperativa a lógica da flexibilidade, da especialização e competência; ao mesmo tempo, sofre porque estas competências adquiridas na sua trajetória de trabalho não garantem estabilidade no seu emprego, causando no sujeito medo e angústia (CARVALHAES, KURIKI e SILVA, 2011). Mesmo para aqueles que possuem emprego há sofrimento, pois a ameaça da demissão ronda suas cabeças. O desemprego é um mal do qual todos os homens buscam fugir (JARDIM, 2010; SOUZA e BARBOSA, 2008).

Este cenário atual retrata o modo de produção capitalista, onde as relações se mercantilizam quando os meios de vida e o trabalho são transformados em mercadorias, o trabalho assume uma concepção predominante de trabalho assalariado e sua organização repousa sobre a cooperação subordinada - cujos fins a serem alcançados não são determinados pelos indivíduos, que, através do assalariamento da força de trabalho, também se apresentam como um produto, como uma mercadoria e cujas riquezas, decorrentes da produção social, são apropriadas de forma privada, em fonte de valor (MACIEL, SENA eSABOIA, 2006; OLIVEIRA, 2008).

“O que sustenta o modelo é a ameaça do desemprego, o sentimento de insegurança em relação ao futuro e a falta da perspectiva de busca de uma saída coletiva acirrada pelo descrédito da ação sindical” (SPILKI, JACQUES e SCOPEL, 2009, p. 169).

A empresa hipermoderna e a sociedade neocapitalista, através da sofisticação dos meios de influência sobre os indivíduos (empregados) funcionam como um sistema econômico, político, ideológico e psicológico de mediação e ocultação de contradições sociais e psicológicas (PAGÈS et al.,1987). Dessa forma, as organizações passam a dominar psicologicamente seus trabalhadores, fazendo com que adotem suas regras, crenças, valores, ideologia, incitando-os a se dedicarem de “corpo e alma” ao trabalho. Tais valores da empresa capitalista são interiorizados por meio dessa função ideológica/psicológica, permitindo legitimar a angústia e o sofrimento dos trabalhadores (PAGÈS et al., 1987). O trabalhador “vive a organização como uma droga da qual não pode se separar” (PAGÈS et al., 1987, p. 36). Esse poder ideológico “cumpre o papel de adoçar, acalentar e consolar a dureza do trabalho e a submissão” (BARRETO et al., 2011, p. 7). Assim, sujeitar-se à ideologia e aos interesses da empresa é um pré-requisito para aqueles indivíduos que desejam ocupar cargos de gerência e desfrutar dos benefícios materiais/econômicos que a posição de chefia pode proporcionar (LIMA, 1996).

3. Metodologia

O presente trabalho utiliza a abordagem qualitativa como método de pesquisa que, segundo Flick (2004), possui grande relevância para o estudo de relações sociais, permitindo incorporar as questões dos significados e das intencionalidades dos sujeitos como condições inerentes aos atos, às relações e às estruturas sociais (MINAYO, 2004), utilizando de um caráter descritivo e um enfoque indutivo para compreender o significado das coisas (GODOY, 1995).

De acordo com Vieira e Zouain (2006, p.17) “a pesquisa qualitativa pode ser definida como o que se fundamenta principalmente em análises qualitativas, caracterizando-se, em princípio, pela não utilização de instrumental estatístico na análise de dados.” Tal abordagem envolve a coleta de uma variedade de materiais empíricos, dentre eles, estudos de caso, experiências pessoais, introspecção, história de vida, textos visuais, interativos, históricos e observacionais – que descrevem a rotina, os momentos e os significados problemáticos da vida dos indivíduos (DENZIN e LINCOLN, 2000).

O estudo qualitativo pode ser desenvolvido utilizando-se diferentes instrumentos e caminhos metodológicos, dentre eles, o estudo observacional. De acordo com Chizzotti (2008, p. 26), “essas pesquisas não têm um padrão único porque admitem que a realidade é fluente e contraditória e os processos de investigação dependem também do pesquisador – sua concepção, seus valores, seus objetivos”.

“A televisão e os filmes têm uma influência cada vez maior na vida cotidiana e, portanto, a pesquisa qualitativa utiliza-os para ser capaz de dar conta da construção social da realidade” (FLICK, 2004, p. 224).

Leite e Leite (2007, p.78) enfatizam que:

A operacionalização do uso de filmes pode revestir-se de validade e utilidade para o pesquisador, em função da agilidade e isenção de revisão das percepções e descrições, com o ato de voltar às cenas, tantas vezes quantas sejam necessárias para a minimização das inferências e a maximização do trato dos dados direta ou indiretamente observáveis.

Como estratégia de coleta de dados adotou-se a observação indireta, não-participante, caracterizada como uma “observação de segunda mão”, que diz respeito à mídia visual como fotografias, vídeos ou filmes para fins de pesquisa. Neste caso, o pesquisador é caracterizado como observador completo, que substitui a observação real pela observação em vídeo, mantendo distância dos eventos observados não exercendo nenhuma influência sobre eles (Flick, 2004). Cooper e Schindler (2003, p. 307) consideram que “a observação indireta é menos flexível do que a observação direta, mas também é muito menos tendenciosa e pode ser muito mais acurada. Outra vantagem da observação indireta é que o registro permanente pode ser reavaliado para incluir vários aspectos diferentes do fato”.

“Os procedimentos observacionais contribuem para a construção da própria realidade que buscam analisar, realidade essa que já é resultado de processos de construção social antes de ser observada” (FLICK, 2004, p. 255).

Este trabalho utilizou a estratégia de fundamentação nas proposições teóricas como método de análise, que levaram ao estudo observacional, refletindo seus conjuntos de questões, literaturas e novas interpretações. Esta estratégia utiliza as bases teóricas para fazer exame dos dados extraídos do estudo observacional, ajudando a pôr em foco certos dados e orientando toda a análise do estudo (YIN, 2004). Importante pontuar, no entanto, que, são analisadas as representações do mundo real, de caráter fictício.

Representações Sociais, saberes do senso comum construídos nas relações entre os indivíduos, são definidas por Moscovici (2003) como sendo toda a prática mental e social do pensamento primitivo, senso comum e ciência. Segundo o autor, com a elaboração das Representações Sociais transforma-se o novo, o desconhecido, em algo familiar.

4. O Estudo Observacional

No filme Em Boa Companhia, Dan Foreman, protagonista do enredo, é vice-presidente da área de vendas de espaços publicitários em uma revista de esportessemanal(Sports America). É um executivo apaixonado pelo trabalho, alguém que realmente se importa e acredita no que faz. Apesar de não se considerar um vendedor, acredita no produto que vende e entende que a revista é parte de uma engrenagem que pode ajudar as empresas anunciantes a maximizarem seus negócios. Suas relações no emprego são de amizade verdadeira. É um executivo dos velhos tempos, com uma vida familiar estruturada. Possui uma vida aparentemente perfeita. Enfim, representa o estilo de vida conservador, que prioriza a família.

Muitos dos ingredientes essenciais de satisfação, saúde e bem-estar na vida estão intrinsecamente vinculados com o trabalho (...) que pode ser considerado uma fonte de satisfação das mais diversas necessidades humanas, tais como auto-realização, manutenção de relações interpessoais e sobrevivência (NUNES E LINS, 2009, p. 53).

A vida de Dan Foreman muda a partir do momento em que um milionário conglomerado de mídia compra a revista e decide reestruturar toda a sua equipe – não importando se os que estão lá são competentes e já trabalham na empresa há um longo tempo; o que vale é a lei das grandes corporações: chegar com a sua equipe nova e de confiança e começar tudo da estaca zero – podendo significar a demissão de Foreman.

Na vida pessoal, Dan enfrenta ainda novos problemas: a inesperada gravidez de sua esposa e os gastos com faculdade de suas filhas. Diante das despesas extras, Dan não pode perder seu emprego (de maneira alguma).

Este milionário conglomerado (Globecom) ordena frequentes "cortes de custos", ou seja, "demissões" e tudo o que for necessário para aumentar as receitas. Esta situação não condiz com os princípios de Dan Foreman, que mantém a mesma equipe há décadas e que se sente arrasado e impotente cada vez que um novo "corte" de um de seus colegas de trabalho é feito.

O que acontece é que ele não perde seu emprego (e fica aliviado por isso!), mas é rebaixado de seu posto e passa a ser subordinado a um workaholic de 26 anos (Carter Duryea), designado para tomar conta de seu setor. Carter é um jovem executivo de publicidade, ambicioso e imediatista, sem vida própria, completamente devotado ao trabalho. Um executivo dos novos tempos, capaz de qualquer atitude para ser reconhecido como o competente e frio executor do que for necessário para o crescimento da empresa. O ator Duryea, no enredo, se mostra como a cara do mundo empresarial do século XXI: impessoal, frio, onde não há espaço para amizade ou para valores familiares, mas apenas pensamentos sobre estatísticas, números e cifras.

Trata-se aqui da centralidade que o trabalho passou a ocupar na vida dos indivíduos nas sociedades capitalistas, transformando-se em uma condição para a sobrevivência e adquirindo uma característica de trabalho-mercadoria, transformando o homem em força de trabalho, cujo valor é estabelecido pela lógica de mercado e pelas leis de oferta e procura (BARROS e OLIVEIRA, 2009; MACIEL, SENA eSABOIA, 2006; OLIVEIRA, 2008).

A conduta comprometida do trabalhador com o sistema de produção e a empresa forja o indivíduo e o adapta às adversidades encontradas no ambiente de trabalho. A nova configuração da organização do trabalho produtivo constrói este novo perfil (...) o do indivíduo distante da representação coletiva. (...) Exige deste trabalhador, cada vez mais acentuadamente, uma atitude individual, comprometida inicialmente por ele mesmo com o seu trabalho, e em segundo plano, com o grupo, dentro da concepção do coletivo (CIMBALISTA, 2008, p. 22).

“Falar da precarização do trabalho implica ter presente esse horizonte para podermos entender a realidade subjetiva vivida pelos trabalhadores” (LANCMAN E UCHIDA, 2003, p. 81).

Carter é esperto e sabe que é completamente inexperiente nesta área, ou seja, na venda de espaços publicitários de uma revista. Para não perder seu posto, Carter torna Foreman seu "braço direito", mantendo-o sempre por perto, aproveitando-se de sua experiência para agregar conhecimentos à sua rotina de trabalho e traduzir em números e gráficos o crescimento financeiro esperado pela corporação. Foreman aceita esta situação, para, em troca, manter seu emprego.

É o que Cimbalista (2006, p. 21) trata como a resiliência do trabalhador uma vez que o mesmo “enfrenta situações que requerem enfrentamento e as suporta, assim como o ritmo intensificado de trabalho, a sobrecarga por meio da pressão e responsabilizações, exigindo sua adaptação aos objetivos da empresa”.

O filme retrata o que há por trás das cruéis decisões empresarias onde as vidas das pessoas são postas de lado, o crescimento em números precisa ser mostrado e os custos diminuídos. Em suma, retrata o objetivo final e primordial das empresas, o lucro como resultado a qualquer custo! Faz crítica aberta ao ambiente empresarial das grandes empresas com suas fusões, compras e vendas sucessivas de empresas e seus funcionários atordoados com tantas mudanças e permanentemente com medo das demissões.

No decorrer do filme, à medida que Carter começa a se aproximar da vida de Foreman, passa a questionar os seus próprios valores buscando se espelhar no modo com que o velho executivo conduz sua vida pessoal e sua carreira. Sua subjetividade passa a se transformar e seu comportamento pessoal e profissional também.

5. Considerações Finais

Dentro do contexto das grandes corporações, o filme (“Em boa Companhia”) faz uma reflexão sobre os relacionamentos no ambiente de trabalho e retrata um choque de gerações, a comparação dicotômica entre os modelos de trabalho dos novos e velhos executivos.

O filme é centrado no confronto entre o novo (executivo) – Carter com sua aplicação de novas técnicas de trabalho – e o velho (executivo), na figura de Dan, executivo da velha guarda. Retrata as transformações na organização do trabalho que compõem o quadro da reestruturação produtiva contemporânea atuando sobre a subjetividade do trabalhador. Para Carter (“o novo executivo”), estas transformações se manifestam através de sua individualidade nas relações, sua frieza e constante busca por competência baseada nos interesses lucrativos da empresa. Para Dan (“o velho executivo”) as transformações passam a se manifestar através de uma relação dialética de sofrimento e prazer com o trabalho. Ele se sente aliviado por não perder seu emprego, sujeitando-se às novas “regras de conduta” de seu superior (e do conglomerado como um todo), mas sofre com as demissões de seus colegas de trabalho. Para ele (“o velho executivo”) havia sim uma relação fraternal com seus colegas de trabalho, um sentimento de grupo, uma relação subjetiva positiva, prazerosa com sua atividade e não apenas uma relação fria capitalista.

A relação dicotômica mostrada pelo filme entre o novo e o velho funcionário se dá, principalmente, através de aspectos inerentes ao “novo modo de trabalhar” e ao “velho modo de trabalhar” que caracterizam a subjetividade estabelecida com o trabalho.

Como o presente estudo considera a análise mediante a observação de fatos fictícios, onde elementos representativos da sociedade atual encontram-se presentes, atribui-se a este fato uma limitação do presente estudo. Julga-se necessário investir em novas pesquisas que busquem compreender as relações entre subjetividade e trabalho, bem como a construção da identidade dos trabalhadores e os possíveis impactos em sua saúde. Espera-se que as considerações iniciais aqui apresentadas permitam embasar melhores práticas sociais e de trabalho que garantam os direitos dos trabalhadores.

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1 Universidade Federal de Lavras (UFLA), Brasil. E-mail: chris_batista@yahoo.com.br
2 Universidade Federal de Lavras (UFLA), Brasil. E-mail: avpaula@yahoo.com.br
3 Universidade Federal de Lavras (UFLA), Brasil. E-mail: lauisa-adm@hotmail.com


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