Espacios. Vol. 36 (Nº 04) Año 2015. Pág. 9
Raphael Silveira AMARO 1
Recibido: 01/10/14 • Aprobado: 23/11/14
2 Sucinta Revisão Histórica Da Evolução Da Demanda De Combustíveis
RESUMO: |
ABSTRACT: |
O petróleo é considerado um recurso natural esgotável. Por mais que exista abundância de petróleo nos dias atuais, mais cedo ou mais tarde ele se esgotará. As crises do petróleo, na década de 70 do século XX, expuseram a vulnerabilidade dos sistemas energéticos fortemente baseados em petróleo e derivados, iniciando um movimento mundial em direção ao desenvolvimento de novas fontes de energia, do qual resultou a valorização do álcool combustível.
O álcool, diferentemente da gasolina, é um recurso renovável, podendo ser derivado da cana-de-açúcar, que é produzida nacionalmente. Sendo assim, nesse aspecto, o Brasil leva vantagem por ser o país mais avançado do ponto de vista tecnológico na produção e no uso do álcool como combustível automotivo. De acordo com o site biodieselbr.com, atualmente, "a produção mundial de álcool aproxima-se dos 40 bilhões de litros, dos quais presume-se (sic) que até 25 bilhões de litros sejam utilizados para fins energéticos. O Brasil responde por 15 bilhões de litros deste total". Evidenciando a importância do álcool para o nosso país, como um possível substituto à gasolina.
Outro fator importante em nossa análise se encontra no fato de que a partir da introdução dos veículos bicombustíveis (flex-fluel) no Brasil, em 2003, iniciou-se uma mudança estrutural no mercado de veículos, uma vez que estes veículos podem ser abastecidos tanto com gasolina quanto com álcool, ou com uma mistura dos dois combustíveis, possibilitando ao consumidor um poder maior de escolha.
Sendo assim, uma pesquisa que busque analisar como as mudanças mais recentes na matriz energética impactaram a demanda de gasolina no Brasil é de fundamental importância, visto que estudos sobre o comportamento do mercado de combustíveis, como gasolina e álcool, podem gerar parâmetros de interesse para agentes do setor e formuladores de políticas. Principalmente, o cálculo das elasticidades-renda das despesas com gasolina e com álcool que nos permite a elaboração de análises prospectivas sobre a demanda potencial desses produtos.
É dentro deste contexto que se insere o presente trabalho, com o objetivo de analisar a evolução do consumo de gasolina no Brasil a partir das óticas do seu preço, do preço do álcool e da renda do consumidor. E com isto, avaliar o álcool como possível substituto para a gasolina. Para alcançar tal objetivo, realizamos testes econométricos, através da técnica de co-integração, que permitiram calcular as elasticidades preço e renda de longo e curto prazo do consumo de gasolina.
O período objeto de análise do nosso trabalho compreende os anos de 1979 a 2009, pelo fato de que, em 1979, através do "Programa do Álcool", o governo passou a incentivar as montadoras de veículos a produzir automóveis movidos a álcool e, os consumidores, a adquiri-los. E o fim do período analisado foi escolhido devido à indisponibilidade de dados para o ano subsequente.
Na Inglaterra, a partir da metade do século XVIII, começou uma das mais espetaculares transformações da história da humanidade: a Revolução Industrial, que originou a indústria capitalista. Foi a partir desse cenário que a questão energética se tornou estratégica para a maioria dos países, por ser determinante para o desenvolvimento econômico frente às transformações produtivas do período.
Nesta época, a matriz energética era constituída basicamente de carvão e de lenha. Somente com a Segunda Revolução Industrial, iniciada na segunda metade do século XIX, é que passaram a predominar paradigmas tecnológicos baseados no petróleo e em seus derivados, resultando na entrada maciça do óleo na matriz energética em substituição ao carvão e à lenha. Dentro deste novo contexto, configurou-se uma economia mundial extremamente dependente do petróleo, na qual o seu consumo, em forte ascensão, acompanhava o ritmo acelerado de desenvolvimento dos países.
No Brasil, o impulso em direção ao consumo de petróleo só emergiu com o surgimento de novas indústrias, após o declínio da economia cafeeira com a crise de 1929. Em outras palavras, a crise mundial de 1929, que teve um importante papel na industrialização brasileira, contribuiu também para uma grande alteração na estrutura de consumo de energia nacional.
Desde o ano de 1930 até os anos iniciais da década de 1970, a utilização de derivados do petróleo espalhou-se para grandes indústrias e para o setor de transportes, principalmente para a indústria automobilística brasileira, constituindo o petróleo como a melhor escolha para atender às necessidades de combustível líquido para o Brasil.
Na década de 1970, especificamente nos anos de 1973/1974 e 1979/1980, a cotação do barril de petróleo no mercado internacional subiu alcançando valores extremamente altos. Pode-se atribuir a responsabilidade desse fato à Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), criada em 1960 pelos cinco principais produtores de petróleo do mundo: Arábia Saudita, Irã, Iraque, Kuwait e Venezuela. Essa organização tem como base um comportamento monopolista, o qual reduz a oferta de petróleo para aumentar seu preço no mercado, ou seja, em outras palavras, é um cartel formado pelos principais produtores de petróleo.
A Figura 1 mostra o preço do barril de petróleo bruto em dólares constantes de 2010 e os efeitos da criação da OPEP. O preço do barril de petróleo, que praticamente era constante na década de 1960, passou de 16,15 dólares em 1973 para 51,23 dólares em 1974, representando um aumento de 217,21% no seu preço em apenas um ano, configurando o cenário que seria conhecido como a crise do petróleo de 1973.
Fonte: BP Statistical Review of World Energy;
Figura elaborada pelo autor.
Figura 1 - Preço do petróleo bruto entre os anos de 1960 a 2004 (em US$ constantes de 2010/barril) [2]
Diante desse ambiente desfavorável, de preços elevados do petróleo, os países importadores adotaram algumas medidas para minimizar sua dependência em relação ao petróleo do Oriente Médio. Uma das principais medidas adotadas foi a de pesquisar possíveis substitutos para este insumo extremamente importante nos processos produtivos e no cotidiano moderno.
O Brasil não foi diferente do resto do mundo: o governo estimulou pesquisas de fontes alternativas de energia que pudessem substituir o petróleo na crescente demanda dos setores industriais e de transporte. Outra medida importante adotada pelo governo brasileiro foi a de incentivar a exploração e a produção de petróleo em território nacional. Além disso, foram tomadas medidas de racionalização no uso de derivados do petróleo, como por exemplo, políticas de preços e controle sobre a velocidade dos automóveis nas estradas. Foi diante deste ambiente desfavorável, que no dia 14 de novembro de 1975, o governo brasileiro criou, pelo Decreto nº 76.593, o Programa Nacional do Álcool (PNA).
Este Programa tinha como objetivo principal estimular a produção de Álcool combustível, como substituto da gasolina, para minimizar a dependência do país perante o petróleo. A ideia do governo era evitar um aumento do déficit entre produção e consumo de petróleo no país que, em 1975, chegou a representar 79,8% da demanda total nacional pelo bem [3].
Podemos ver o resultado obtido com as políticas do governo e com a adoção do PNA na Figura 2, abaixo, que mostra a evolução do consumo de gasolina e do consumo de álcool combustível ao longo do tempo.
Fonte: Ministério de Minas e Energia;
Figura elaborada pelo autor.
Figura 2 - Evolução do consumo de Gasolina e do consumo de Álcool em mil m³ entre os anos de 1970 a 2004
Nota-se claramente que o governo conseguiu alcançar seus objetivos, a partir do PNA. Em 1975, a demanda por gasolina começa a cair e em contrapartida aumenta a demanda por álcool combustível, como se depreende da leitura da figura acima.
No início da década de 80 do século XX, o Irã, um dos países considerado como grande produtor de petróleo, enfrentou uma grave crise decorrente da Revolução Islâmica que se estendeu de 1979 até 1981. E como resultado, ocorreu uma diminuição da oferta de petróleo mundial elevando o preço do barril do óleo, que, em 1978, custava 46,89 dólares e, em 1979, passou a custar 94,94 dólares, o que representa um aumento de 102,47% no seu preço em apenas um ano. Configurando assim o cenário que seria conhecido como a segunda crise do petróleo. Fato esse que pode ser observado na Figura 1 deste artigo na p.5.
Os preços do petróleo continuaram elevados praticamente em toda década de 80, principalmente em virtude da continuidade da diminuição da oferta de petróleo, decorrente também da guerra Irã-Iraque, que durou de 1980 até 1988. Pois, como dois grandes produtores de petróleo estavam produzindo pouco, contribuíram para a manutenção dos preços elevados da década.
Em 1986, a OPEP perdeu força e não conseguiu mais impor as cotas de produção para os membros da organização. Com isso, alguns países membros aumentaram suas cotas de produção de petróleo resultando numa oferta maior, o que levou a uma grande queda no preço do óleo nos anos seguintes. Esse foi o principal fator que levou à crise do PNA. Pois, este programa era altamente subsidiado pelo governo e com o preço do petróleo em queda, muitas vezes a Petrobras teve que subsidiar o preço do álcool, pagando mais caro pelo litro dele do que pelo preço cobrado nos postos de combustíveis. A Petrobras, para manter a sua política subsidiária, aumentou o preço da gasolina, consequentemente, os proprietários de veículos movidos a gasolina foram os que mais sofreram com essa política protetora do álcool.
Nos primeiros anos do século XXI, mais precisamente no ano de 2003, deparamo-nos com um dos fatores fundamentais que mudaram completamente a composição da frota automotiva brasileira: o surgimento dos automóveis bicombustíveis (flex-fuel). Estes veículos surgiram como uma alternativa frente à situação volátil do mercado de combustíveis do Brasil, pois possibilitam ao consumidor escolher entre a gasolina e o álcool combustível, ou até mesmo escolher uma combinação entre eles, para abastecer seu automóvel. Resultando assim, em um fator importante que impacta na demanda de combustíveis no Brasil. Luiz Correia (2007) expressa com clareza as vantagens dos automóveis bicombustíveis:
Para o consumidor final, que adquire o poder de arbitragem no abastecimento de seu automóvel, desaparece o fantasma de uma possível ruptura no suprimento de álcool e/ou um aumento excessivo de seu preço, pois seu veículo não é, como na época dos automóveis a álcool, cativo ao uso de um só combustível, conferindo a esses consumidores uma flexibilidade não encontrada antes.
Atualmente a econometria é uma ferramenta indispensável para modelar a realidade em quase todas as disciplinas econômicas e de negócios. Entretanto, é impossível retratar completamente a complexa realidade através de modelos estatísticos e econométricos.
Como sabemos, a demanda por gasolina pode ser determinada por inúmeros fatores, tanto objetivos quanto subjetivos. Assim, existem inúmeros trabalhos no meio acadêmico que procuram estudar a evolução do consumo do combustível em diversos países, utilizando diferentes modos e métodos. Porém, a interpretação e análise dos resultados, por sua vez, dependem muito mais da economia do que da estatística. Segundo Bueno (2011) "na prática, sempre existe um grau de arbitrariedade quanto às hipóteses utilizadas, e elas podem não ser verdadeiras, de modo que as predições econométricas têm de ser observadas com cuidado". Tendo isso em mente, vejamos a seguir alguns métodos utilizados para se chegar ao objetivo proposto. Apresentamo-los em ordem cronológica de publicação.
Buonfiglio e Bajay (1992) fizeram uma projeção das demandas de etanol e gasolina para o Brasil, usando séries históricas de 1970 a 1990 do Produto Interno Bruto, dos preços dos combustíveis e da frota de veículos em circulação. Como resultado, os autores constataram que a demanda pelos bens foram determinados por fatores como crescimento do Produto Interno Bruto, políticas de preços para a gasolina e para o etanol e pelo preço dos automóveis, além de fatores técnicos como o consumo dos automóveis.
O trabalho de Sordi (1997) teve por finalidade determinar as elasticidades de demanda do álcool hidratado no Brasil, no período de 1980 a dezembro de 1995, usando os métodos de Mínimos Quadrados em Dois Estágios e Máxima Verossimilhança de Informação Plena. Os resultados encontrados se assemelham aos resultados de outros estudos sobre as elasticidades de demanda de gasolina.
No trabalho de Burnquist e Bacchi (2001), os autores estimaram as elasticidades de longo e curto prazo da demanda por gasolina no Brasil para o período de 1973 a 1998 utilizando um modelo Vetorial de Correção de Erro (VEC). Os resultados encontrados pelos autores sugerem que a demanda de gasolina no curto prazo é preço-inelástica, enquanto no longo prazo é relativamente mais elástica. Além disso, os autores concluíram que um modelo simples baseado apenas na renda e no preço da gasolina apresenta estimativas robustas e confiáveis sobre sua demanda.
Alves e Bueno (2003) realizaram um trabalho sobre a demanda por gasolina no Brasil entre os anos de 1974 a 1999 utilizando técnicas de co-integração. O modelo utilizado inclui: o consumo per capita anual de gasolina, a renda agregada real anual per capita, o preço real anual da gasolina, e o preço real anual do etanol. A conclusão dos autores perante o tema foi que a elasticidade-preço cruzada entre gasolina e etanol é inelástica, sugerindo que o etanol é um substituto imperfeito da gasolina.
Daiane (2007) realizou um estudo interessante que buscava estimar as elasticidades-renda das despesas com álcool e gasolina para automóveis e comerciais leves, incluindo em seu modelo as seguintes variáveis: despesas per capita com álcool e gasolina com o recebimento per capita. Resultados da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) de 2002-03, publicados pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) foram usados na análise. Os resultados obtidos permitem classificar o álcool e a gasolina como bens superiores para os dois primeiros estratos de recebimento mensal per capita. Para o último estrato, porém, esses produtos podem ser classificados como bens normais.
Maciel (2009) realizou um trabalho recente sobre as elasticidades preço e renda da demanda de álcool combustível no Brasil no período de julho de 2001 a outubro de 2009. O modelo usado incluiu como variáveis explicativas o preço do bem, o preço do bem substituto e a renda do consumidor para estimar um modelo VAR/VEC a partir de séries temporais. Os resultados encontrados sugerem que o álcool e a gasolina devem ser considerados como substitutos imperfeitos, uma vez que a elasticidade-preço cruzada foi positiva e estatisticamente significativa a longo prazo. Contudo, no curto prazo, os autores encontraram um resultado contrário ao de longo, sugerindo que os consumidores não consideram o álcool e a gasolina bens substitutos.
Embora a literatura seja bastante ampla em estudos relacionados ao consumo de gasolina, aparentemente não existe um estudo focado na estimação da demanda por gasolina no Brasil em períodos recentes. Assim, este trabalho se propõe a suprir essa lacuna, estimando as elasticidades preço e renda de longo e curto prazo para este bem, no período de 1979 a 2009.
O referencial teórico utilizado refere-se à teoria microeconômica da demanda, cujo elemento fundamental é o consumidor individual que possui uma quantidade de renda limitada para fazer escolhas entre diferentes cestas de consumo possíveis, a fim de maximizar sua satisfação. Conforme VARIAN (2006), a demanda de um bem é uma função do seu preço, do preço do bem substituto, da renda do consumidor, e de outros fatores como gostos e preferências. Portanto, a demanda do bem Q pode ser expressa pela equação:
Onde Px = preço do bem X; Py = preço do bem substituto Y; R = renda do consumidor; e G = gostos e preferências do consumidor.
Porém, o mercado de cada bem tem suas particularidades, e algumas dessas variáveis podem não influenciar a demanda. Sendo assim, com o objetivo de facilitar o estudo e análise neste trabalho, supomos que os gostos e preferências do consumidor não afetam a demanda por gasolina. Por isso, nosso modelo estimado não incluiu esta variável, e pode ser expresso conforme a seguinte expressão:
Onde Cgas = consumo de gasolina em m3; Pgas = preço médio da gasolina; Pet = preço médio do álcool; Yt = Produto Interno Bruto per capita (como uma proxy para a renda dos consumidores).
As principais fontes de informação utilizadas foram: Agência Nacional do Petróleo [4] (ANP), para os dados de consumo anual de gasolina em m³; Ministério de Minas e Energia [5] (MME), para os dados de preço da gasolina e do etanol em US$ por m³; e Banco Central do Brasil [6] (BCB), para os dados de PIB per capita em US$. [7] Foram utilizados dados anuais para o período que compreende os anos de 1979 a 2009.
Quando se pretende derivar uma curva de demanda a partir das preferências básicas do consumidor, é interessante ter uma medida da sensibilidade da demanda do bem em relação às variações dos seus preços, dos seus preços cruzados, e da renda do consumidor. Na economia, essas medidas de sensibilidades são chamadas de elasticidades, e neste trabalho, como nosso objetivo é obter a elasticidade-preço, elasticidade-preço cruzado, e a elasticidade-renda da demanda por gasolina, estimamos uma curva de demanda isoelástica, onde estas elasticidades são constantes. Assim, a equação empregada assume a seguinte especificação:
A Tabela 1, a seguir, mostra os sinais esperados dos coeficientes que pretendemos estimar através da regressão (1).
Tabela 1 - Sinais esperados das variáveis
Fonte: Elaboração do autor.
Esperamos encontrar esses sinais pelo fato de a gasolina ser considerada um bem comum, ou seja, quando seu preço aumenta, a quantidade demandada de gasolina diminui. Observe que ela também é considerada um bem normal, isto é, quando a renda do consumidor aumenta, a quantidade demandada de gasolina também aumenta. E por último, veja que a gasolina possui o etanol como bem substituto imperfeito, pelo fato de que, o usuário pode preferir abastecer seu automóvel com gasolina (ou usar automóveis movidos a gasolina), porém, se lhe for oferecido abastecer seu automóvel com etanol (ou usar um automóvel movido a etanol), o usuário poderá preferir este meio, dados as condições financeiras da transação. Assim, supondo um aumento no preço do etanol, espera-se que a demanda por gasolina aumente, entretanto serão consumidas quantidades positivas de ambos os bens.
Depois de estabelecida a natureza das variáveis, seguimos os procedimentos usuais na metodologia de séries temporais. O primeiro passo deste procedimento é a análise da estacionariedade das séries, ou seja, analisar seus comportamentos e verificar se as séries foram geradas por processos estocásticos estacionários ou não. Para este primeiro objetivo, foram empregados os testes de raiz unitária de Dickey-Fuller Aumentado (DFA) e Phillips-Perron.
Após nos certificarmos que as séries são integradas de mesma ordem através dos testes de raiz unitária, podemos verificar se existe uma relação de longo prazo entre elas, isto é, se elas são co-integradas. Apesar de, na literatura especializada, existirem vários métodos para testar a co-integração, neste trabalho, foram utilizados somente dois métodos: o teste de Engle e Granger (1987) e a técnica de co-integração proposta por Johansen (1988).
Um fator importante na estimação de modelos VAR é a definição do número de defasagens com o qual o modelo será estimado. O critério de informação é uma forma de encontrar este número ideal de parâmetros, sendo assim, neste trabalho, foi utilizado o valor da defasagem que resulta no menor Akaike ou Schwarz ao qual confirma que os resíduos se comportam como um ruído branco. Isto é, o modelo mais parcimonioso, pois com menor número de parâmetros, deverá gerar menos imprecisão nas estimativas.
Uma vez comprovada e analisada a existência de relação de longo prazo entre as variáveis consideradas, podemos estimar seus parâmetros de curto prazo, que mostram a velocidade de ajustamento das respectivas variáveis em direção ao equilíbrio de longo prazo. Para este objetivo, foi estimado um Modelo Vetorial de Correção de Erro (VECM).
A primeira etapa, do nosso procedimento, consiste na verificação da estacionariedade das séries temporais utilizadas na equação (1), através da realização de testes quantitativos. A seguir será apresentado um desses testes, o teste de Dickey-Fuller Aumentado.
Tabela 2 - Testes de Dickey-Fuller Aumentado para as séries temporais utilizadas na equação (1)
Fonte: Elaboração do autor.
OBS: Todos os testes incluem interceptos.
(*) Valor crítico a 5% de significância.
A Tabela 2 apresenta os resultados obtidos dos testes de Dickey-Fuller Aumentado (DFA) sobre as variáveis da equação (1). Observe que em todas as variáveis, exceto na variável lnPgast, há presença de raiz unitária ao nível de 10% de significância, caracterizando-as como não estacionárias em nível. Porém, são estacionárias de 1ª ordem ao nível de significância de 10%, ou seja, é preciso diferenciar cada uma dessas séries uma vez para que se tornem estacionárias.
Os resultados dos testes de Phillips-Perron convergiram com os resultados dos testes de DFA, confirmando que as séries são I(1) em nível, e I(0) em suas primeiras diferenças (Ver Tabela 3).
Tabela 3 - Testes de Phillips-Perron para as séries temporais analisadas
Fonte: Elaboração do autor.
Após nos certificarmos que as séries são integradas de mesma ordem através dos testes de DFA e Phillips-Perron, podemos verificar se existe uma relação de longo prazo entre elas, isto é, se elas são co-integradas. Para isso, primeiramente, calculamos o número de defasagens do modelo através do critério de informação (Ver Tabela 4).
Tabela 4 - Critérios para definição do número de defasagens
(*) Número de defasagens indicado pelo critério; Fonte: Elaboração do autor.
Como podemos observar na Tabela 4, os critérios: FPE, AIC, HQIC e SBIC sugeriram um modelo com apenas uma defasagem, já o resultado do critério LR, divergiu dos anteriores, indicando quatro defasagens. Porém, de acordo com nossa metodologia, foi escolhido o modelo mais parcimonioso, ou seja, apenas uma defasagem, pois com menor número de parâmetros deverá gerar menos imprecisão nas estimativas.
Definido o número de defasagens para o modelo como um todo, avançamos para segunda etapa: verificar se as séries são co-integradas. Para essa tarefa, utilizamos os testes de Engle-Granger (Ver Tabela 5) e de Johansen (Ver Tabela 6).
Tabela 5 - Teste de estacionariedade para os resíduos da equação (3)
Fonte: Elaboração do autor.
A Tabela 5 indica, como esperado, a presença de estacionariedade nos resíduos da equação (1) ao nível de significância de 10%. Portanto, através do teste Engle-Granger, é possível afirmar que as variáveis são co-integradas.
Tabela 6 - Teste do traço da matriz do procedimento de Johansen para co-integração
Fonte: Elaboração do autor.
Nota: O asterisco indica o número de vetores de co-integração.
A Tabela 6 mostra o resultado da aplicação do teste de Johansen para co-integração, que é baseado no teste do traço da matriz e no teste de máximo autovalor. O teste identificou a presença de pelo menos um vetor de co-integração, ao nível de significância de 1%, através do teste do traço da matriz, ou seja, comprovou-se a existência de uma relação de co-integração entre as séries já observada através do teste Engle-Granger.
Finalmente, após a confirmação de co-integração das séries, avançamos para a próxima etapa: estimar o vetor de co-integração com efeitos de longo prazo na forma normalizada. O resultado desta estimação, através da equação (1), pode ser observado na Tabela 7.
Tabela 7 - Estimativas dos vetores beta de co-integração normalizado para variável lnCgas
Fonte: Elaboração do autor.
* Erros-padrão entre parênteses
* Estatística "t" entre colchetes
A partir do vetor de co-integração estimado, pode-se escrever a relação de equilíbrio de longo prazo para o consumo de gasolina no Brasil, dado pela equação (2).
Sendo assim, os coeficientes referentes às variáveis , e podem ser interpretados como elasticidades de longo prazo da renda, do preço da gasolina, e do preço cruzada da gasolina, respectivamente.
Note que o sinal da variável (elasticidade-preço cruzada da gasolina) é positivo (0,3515129), mostrando que a gasolina e o álcool são bens substitutos, e imperfeitos (elasticidade menor que a unidade), como se esperava. Porém, pelo teste "t", a 10% de significância, não é possível rejeitar a hipótese nula de que seu coeficiente é igual a zero, ou seja, no longo prazo a elasticidade-preço cruzado da gasolina em relação ao preço do álcool não tem influência no consumo de gasolina.
As demais elasticidades também apresentaram os sinais esperados pela teoria da demanda: positivo para a elasticidade-renda da gasolina e negativo para a elasticidade-preço da gasolina. Além disso, os coeficientes relativos às suas variáveis mostraram-se estatisticamente significativos ao nível de 5%. Sendo assim, podemos rejeitar a hipótese nula de que seus coeficientes são iguais a zero.
Observe, na equação (2), que a demanda por gasolina se mostrou preço-elástica, com elasticidades maiores que a unidade em valor absoluto (-4,885559), neste caso, um aumento de 1% no preço da gasolina leva, em média, a uma redução de 4,9% no consumo de gasolina, ou seja, no longo prazo, os consumidores de gasolina têm grande reação ou resposta a eventuais variações de seus preços.
Vejamos, que a elasticidade-renda também se mostrou elástica (3,739383) e positiva, neste caso, um aumento de 1% na renda dos consumidores leva, em média, a um aumento de 3,74% do consumo de gasolina. Este resultado tem um significado interessante na nossa análise, ele nos mostra que a gasolina é um bem superior ou de luxo, ou seja, no longo prazo, um aumento na renda dos consumidores leva a aumento mais que proporcional na demanda de gasolina.
Uma vez comprovada e analisada a existência de relação de longo prazo entre as variáveis consideradas na equação (1), podemos estimar os parâmetros de curto prazo, que mostram a velocidade de ajustamento das respectivas variáveis em direção ao equilíbrio de longo prazo. Os resultados relativos aos parâmetros de curto prazo estimados encontram-se na Tabela 8.
Tabela 8 - Estimativas dos vetores de ajustamento no Curto Prazo do Modelo Vetorial de Correção de Erro referente à variável ΔlnCgast
Fonte: Elaboração do autor.
Observe que o coeficiente estimado do erro de equilíbrio (-0,040870) é significativo ao nível de 5% de confiança. Este resultado indica que os desequilíbrios de curto prazo tendem a ser corrigidos lentamente, isto é, a uma velocidade de apenas 4,09% em cada período. Portanto, o período de tempo para que essa variável possa atingir o equilíbrio no longo prazo é relativamente extenso.
Em suma, a demanda de gasolina se mostrou inelástica no curto prazo, ou seja, seu mercado não é muito dependente de variações de preços. Este resultado pode ser justificado pelo fato de os consumidores assumirem uma certa dependência ao consumo de gasolina no curto prazo.
O desenvolvimento deste artigo procurou analisar a demanda por combustíveis no Brasil, ajudando a contribuir em alguns pontos com as pesquisas anteriores relacionadas ao mesmo tema. Nos capítulos iniciais deste trabalho, foram descritos os impactos econômicos relacionados às crises do preço do petróleo de 1973 e 1979, enfatizando a necessidade de se procurar alternativas ao uso de um recurso natural esgotável e produzido por poucos países, tal como é o petróleo. É, diante disso, que o Brasil incentivou a produção de álcool combustível, tornando-se o país pioneiro na adoção deste combustível como substituto à gasolina no final da década de 70. Esse início precoce, juntamente com a manutenção de políticas do setor, levou o Brasil, nos dias atuais, a ser considerado o país mais avançado do ponto de vista tecnológico na produção e no uso do álcool como combustível automotivo. Diante deste cenário, é extremamente relevante a análise da viabilidade do álcool como substituto à gasolina, que é o objetivo principal deste artigo.
A técnica de co-integração serviu de instrumental para que esse objetivo fosse alcançado. Os resultados encontrados, apresentados no quarto capítulo deste artigo, mostraram que, no longo prazo, a variável que explica a elasticidade-preço cruzada da gasolina () não é estatisticamente significativa, assim, torna-se difícil obter algum tipo de explicação final. Todavia, é de se esperar que ela seja inelástica e positiva, pois sendo assim, configura o álcool como substituto imperfeito para a gasolina, isto é, os agentes econômicos não são indiferentes entre consumir álcool e gasolina, suas escolhas dependem das condições financeiras da transação.
Com relação à análise do consumo de gasolina em relação ao seu preço, pode-se concluir que no longo prazo, os consumidores são bastante sensíveis a modificações no preço da gasolina, isto é, possuem grande reação ou resposta a eventuais variações do preço da gasolina. Este resultado é bastante plausível, devido à impossibilidade no curto prazo dos agentes econômicos se adequarem aos novos preços, necessitando de um intervalo de tempo para que isso aconteça.
A análise do consumo de gasolina em relação à renda do consumidor também se mostrou de acordo com a teoria econômica, ou seja, a elasticidade-renda da gasolina apresentou-se positiva e elástica no longo prazo, indicando a gasolina como um bem superior ou de luxo, ou seja, no longo prazo, um aumento na renda dos consumidores leva a um aumento mais que proporcional na demanda de gasolina.
Por fim, com relação aos possíveis desequilíbrios de curto prazo, a estatística indicou que eles tendem a ser corrigidos lentamente, isto é, ocorrendo um desequilíbrio de curto prazo, o período de tempo para que o consumo de gasolina volte ao equilíbrio de longo prazo é relativamente extenso. Com isso, deduzimos que a demanda de gasolina no curto prazo seja inelástica, isto é, seu mercado não é muito dependente de variações de preços. Este resultado pode ser justificado pelo fato de os consumidores assumirem uma certa dependência ao consumo de gasolina no curto prazo, o que é bastante plausível em um país onde o transporte é extremamente dependente de derivados do petróleo, seja sob a forma de gasolina, óleo diesel, ou outros.
Estes resultados podem ser úteis para planejar e executar uma política energética no Brasil no que diz respeito ao suprimento futuro de petróleo e sobre a demanda de gasolina, pois, sabemos que as reservas petrolíferas mundiais algum dia se esgotarão, o que levará o preço do petróleo e seus derivados para valores absurdamente elevados. Sendo assim, nosso país precisa buscar um produto que sirva como substituto do petróleo, visto que neste artigo não podemos sugerir que o álcool combustível seja um substituto perfeito.
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1 Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Santa Maria, RS, Brasil. Raphal.Amaro@ufsm.br
2 Preço do petróleo bruto deflacionado pelo índice IPA dos Estados Unidos.
3 Cálculo efetuado pelo autor com base nos dados da dependência externa de petróleo do MME.
4 Disponível em: <http://www.anp.gov.br/>.
5 Disponível em: <http://www.mme.gov.br/>.
6 Disponível em: <http://www.bcb.gov.br/>.
7 Os dados, fornecidos pelas fontes em dólares correntes, foram convertidos para dólares constantes com ano base de 2009, utilizando-se o Consumer Price Index (índice de preços ao consumidor dos EUA).