ISSN 0798 1015

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Vol. 39 (Nº 46) Ano 2018. Pág. 17

Efeitos da mudança de políticas internas: um estudo de caso de uma organização de ensino no Brasil

Effects of internal policy change: a case study of an education organization in Brazil

Carlos Alberto Figueiredo da SILVA 1

Recebido: 04/06/2018 • Aprovado: 19/07/2018


Conteúdo

1. Introdução

2. Metodologia

3. Resultados

4. Concluções

Referências bibliográficas


RESUMO:

O objetivo deste estudo é analisar o caso de uma instituição de ensino superior, focalizando o seu programa de pós-graduação em especialização. Os instrumentos utilizados para coleta dos dados foram: entrevista de profundidade, análise do Plano de Desenvolvimento Institucional e site do programa. Evidências apontam que a estratégia da cauda longa se mostrou efetiva e proporcionou grande evolução do programa nos quatro primeiros anos. Entretanto, a mudança nas políticas internas, levou o programa à derrocada.
Palavras chiave: Pós-graduação; Modelo Delta; Inovação. Front End

ABSTRACT:

The purpose of this study is to analyze the case of a higher education institution, focusing on its postgraduate program in specialization. The instruments used to collect the data were: depth interview, analysis of the Institutional Development Plan and program site. Evidence indicates that the long tail strategy was effective and provided a great evolution of the program in the first four years. However, the change in internal policies has led the program to collapse.
Keywords: Graduate; Delta model; Innovation; Front End.

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1. Introdução

A indústria de Educação Superior no Brasil apresenta um alto grau de rivalidade na graduação e pós-graduação lato sensu (cursos de especialização e MBA). Em muitas praças, as decisões que as Instituições de Ensino Superior (IES) tomam se ancoram em função das ações de seus rivais. Por conseguinte, na maioria dos casos a batalha é travada pelos preços, ocasionando menor margem de lucro.

Os cursos oferecidos acabam por se assemelhar cada vez mais, gerando uma padronização que dificulta a inovação nesse campo. O maior prejudicado neste caso é o aluno que não é observado como indivíduo, com suas idiossincrasias e necessidades, passando a compor uma massa despersonalizada. Esta realidade implica a falta de relacionamentos significativos entre as IES e seus discentes.

O cenário que se apresenta é complexo e por esta razão este estudo tem por objetivo analisar o caso de uma IES, localizada no estado do Rio de Janeiro, e as ações desenvolvidas por ela no período compreendido entre 2005 e 2016 em seu programa de pós-graduação.

2. Metodologia

Trata-se de um estudo do tipo descritivo, com abordagem qualitativa. Os instrumentos utilizados na coleta dos dados foram: entrevista em profundidade com um dos diretores que esteve à frente do programa, análise do plano de desenvolvimento institucional e análise do site institucional. Por recomendação do comitê de ética em pesquisa, os nomes da IES e do diretor foram omitidos neste texto.

3. Resultados

3.1. Parte 1 - Descrição do caso

3.1.1. Breve histórico da empresa

A Instituição de Ensino Superior (IES), objeto de estudo deste caso, foi fundada ao final dos anos 1960, na região sudeste do Brasil, no estado do Rio de Janeiro. Inicialmente teve sua autorização como faculdade, e em fins dos anos 1990 transformou-se em um centro universitário.

No Brasil, grosso modo, as IES são tipificadas em faculdades, centros universitários ou universidades. Sendo que apenas as duas últimas têm autonomia para abrir e fechar cursos (com algumas exceções), e expedirem os próprios diplomas, sem necessidade expressa de autorização do Ministério de Educação (MEC). Às universidades cabe, obrigatoriamente, além da graduação e extensão, oferecer programas de mestrado e doutorado.

Apesar de existir como centro universitário, a IES pesquisada possuía o foco na graduação, não oferecendo programas de mestrado, doutorado e nem mesmo cursos de especialização.

3.1.2. Características da empresa e de seus dirigentes

Como inúmeras IES privadas no Brasil, esta também é uma empresa familiar, cuja mantenedora e mantida são administradas por membros da família. O mercado de educação brasileiro começou a se profissionalizar em meados dos anos 1990; não obstante, há prevalência de membros das famílias na alta administração dessas IES. O que, de certa forma, cria uma ambiência híbrida, pois os aspectos gerenciais e empreendedores das IES veem-se por vezes em confronto; em outros casos, à mercê dos desejos de seus donos.

A IES estudada pode ser considerada como uma empresa tradicional. Chandler (1977) aduz que, basicamente, existem dois tipos ou classe de empresas: tradicionais e modernas.  A primeira desenvolve suas atividades com apenas um tipo de produto, em uma determinada área geográfica e com apenas uma função econômica, sendo gerenciadas por seus proprietários e monitoradas pelos mecanismos de preço e de mercado. As modernas empresas têm diversas unidades de operação e dirigentes profissionais; o objetivo é a autoperpetuação, havendo, portanto, a necessidade de crescimento contínuo dos negócios que ela desenvolve.

Os dirigentes da IES possuíam experiência como administradores no campo da educação. Reitor e vice-reitores eram graduados em administração, com mestrado na área. A experiência como administradores sempre se deu na educação. Um dos vice-reitores era membro da família e a chancelaria era também ocupada por um membro da família.

No início dos anos 2000, na IES estudada, foi tomada uma decisão no sentido da abertura de cursos de especialização. Este fato ensejou um planejamento com vistas a se estabelecer diretrizes para o lançamento do projeto de pós-graduação em nível de especialização na IES.

3.1.3. Características do setor

Em 2005, o setor de cursos de especialização se apresentava pouco regulado, e sem uma política governamental para a avaliação desse segmento. No caso de mestrados e doutorados, era o contrário.

No entanto, em relação aos cursos de especialização o cenário era outro. Muitas IES delegavam a terceiros a implementação dos programas de especialização. No caso da IES estudada, esta hipótese também foi veiculada, mas prevaleceu a intenção de constituir um grupo interno que estabelecesse o programa.

3.1.4. Problemática enfrentada pela empresa

Várias tentativas haviam sido realizadas nos últimos anos para o estabelecimento de cursos de especialização na IES; todas infrutíferas. No entanto, em 2005, foi designado um novo diretor de pesquisa e pós-graduação. A partir daí foi feita uma análise do mercado de cursos de especialização e das características da IES, principalmente, em relação aos cursos de graduação e especialização que ela oferecia.

Um dos primeiros problemas identificados foi o portfólio de cursos de especialização que até então era oferecido. Basicamente, ofereciam-se cursos nas áreas de pedagogia, gestão e direito. O ticket médio desses cursos estava na faixa dos cursos consolidados nas concorrentes, e que já tinham grande aceitação, direcionados principalmente para um grupo de poder aquisitivo que poderíamos enquadrar como A e B.

A análise demonstrou: o público que realizava cursos de graduação na IES era formado pelas classes C e D. Havia aí um desalinhamento, pois, os cursos de especialização que eram oferecidos se direcionavam às classes A e B, cujo poder aquisitivo era bem superior ao público que historicamente realizava a graduação na IES. Desta forma, os egressos não buscavam os cursos de especialização na própria IES.

Além disso, a rivalidade entre as IES nos cursos de especialização em direito, gestão e pedagogia era muito alta. A vocação da IES na graduação estava muito mais nas áreas de saúde e engenharias, e isto não fora explorado nas ações anteriores para cursos de especialização. A propósito, cursos de especialização em saúde e engenharias eram escassos no mercado.

Os procedimentos adotados para a formação das turmas priorizavam a lista de interesse, ou seja, os cursos eram oferecidos, os alunos interessados se inscreviam e aguardavam o comunicado da IES para que viessem realizar a matrícula; isto só ocorria quando a turma contava com 18 alunos inscritos (era o ponto de equilíbrio). Este procedimento não se mostrava adequado, pois quando a IES entrava em contato com os alunos, a maioria já havia se direcionado para as concorrentes ou desistido de realizar o curso.

3.1.5. Ações realizadas

A primeira decisão foi a de envolver os coordenadores dos cursos de graduação para que apresentassem pelo menos uma proposta de curso de especialização. Havia 32 cursos de graduação na instituição. Até então, apenas quatro cursos de especialização tinham sido oferecidos, a saber: psicopedagogia, direito civil, direito processual civil e gestão de negócios; nenhum deles vingara.

A segunda decisão foi o estabelecimento de três princípios a serem seguidos em todos os cursos de especialização:

a) fluxo contínuo

b) tabela escalonada

c) turma continuada

Fluxo contínuo - Os cursos seriam divididos em módulos e poderiam receber alunos a partir do início de cada módulo. Assim, o aluno interessado não necessitava aguardar a abertura de uma nova turma para ingressar no curso. Os módulos tinham a duração média de 30 horas aula e se integralizavam a cada 45 dias. Desta forma, o fluxo de alunos novos geraria mais motivação na turma e a entrada de novas receitas, melhorando o resultado. Além disso, não haveria a geração de custo marginal para atendê-los, pois estes novos alunos entrariam em uma turma já em andamento.

Tabela escalonada - O ponto de equilíbrio era atingido com 18 alunos. Entretanto, o curso poderia começar com um número menor de alunos caso os professores aceitassem receber pela tabela escalonada. O valor a ser pago, à época, caso o curso tivesse 18 alunos ou mais, era duas vezes superior ao piso pago pela hora/aula na graduação. Nos cursos de especialização com menos de 18 alunos, a hora/aula era paga em função do número de alunos até o limite de nove alunos, visto que não se poderia pagar menos do que o piso salarial ao professor universitário. Assim, poder-se-ia começar um curso com nove alunos.

Turma continuada - Em função do fluxo contínuo, a turma não se extinguia. Os alunos que ingressassem, por exemplo, no segundo módulo, realizariam o primeiro módulo após terem realizado o último módulo, e assim sucessivamente.

A terceira decisão foi a implementação de dois módulos comuns a todos os cursos: o módulo de empreendedorismo e o módulo de metodologias. As disciplinas que comporiam o módulo de empreendedorismo (atitude empreendedora, contexto empresarial brasileiro e plano de negócio), bem como as do módulo de metodologias (metodologia da pesquisa e metodologia do ensino), poderiam congregar alunos de diferentes cursos de especialização. Isto promoveria maior integração e network entre eles, possibilitando o desenvolvimento de novos negócios. No entanto, o ganho maior dar-se-ia na formação de grupos multidisciplinares e, por conseguinte, na inovação. Dificilmente grupos disciplinares podem gerar inovações. Além disso, o módulo de metodologias atendia às expectativas de muitos alunos e do próprio Ministério de Educação, no sentido de preparar os egressos da pós-graduação para atuarem no mercado do ensino superior na docência.

A quarta decisão foi a de elaborar os projetos pedagógicos dos cursos sem pré-requisitos, fato que inviabilizaria o fluxo contínuo.

A quinta decisão estabelecia que apesar de haver o fluxo contínuo, para efeito de registro acadêmico, existiriam tantas turmas quantas fossem necessárias para acompanhar a entrada de novos alunos nos módulos. Por exemplo, se determinado curso iniciasse com 20 alunos, esta seria a turma XXXX.1 (referia-se à primeira turma daquele ano). Se no segundo módulo ingressassem mais 5 alunos neste grupo, apesar de estarem todos os 25 alunos na mesma "turma", para efeito de registro, estes novos 5 alunos estariam registrados na turma XXXX.2.

A equipe receberia treinamento e acompanhamento constantes para dirimir dúvidas e identificar novas soluções para os problemas que se apresentassem no decorrer do processo.

3.1.6. Resultados obtidos

3.1.6.1. Fase 1

Foram criados mais de 60 cursos de especialização nos três anos seguintes, entre eles 14 cursos a distância. Em 2008, havia 2300 alunos pagantes nos cursos presenciais e 1100 alunos a distância.

Nenhum dos cursos possuía menos de 22 alunos pagantes. Alguns deles chegavam a ter duas turmas com 50 alunos cada.

O ticket médio em torno de R$220,00 gerava, aproximadamente, uma receita superior a R$500.000,00.

A hipótese de seguir a vocação da IES nas áreas de saúde e engenharias se confirmou. O primeiro curso a abrir foi o de engenharia estrutural, único na cidade. Em seguida, inúmeros cursos na área da saúde atraíram centenas de alunos, principalmente em fisioterapia (11 cursos), saúde da família, educação física (3 cursos), entre outros. A IES navegava no que se convencionou chamar de oceano azul (Kim & Maulborgne, 2015).

Inicialmente, o funcionamento se dava em três sábados consecutivos, com um de recesso. Com o crescimento, os cursos passaram a funcionar quinzenalmente aos sábados. Para ampliar a oferta foi necessário alterar o funcionamento, tendo em vista que não havia mais salas de aula disponíveis. Assim, os cursos foram divididos em dois grupos. O primeiro tinha suas aulas aos sábados na primeira e terceira semanas do mês e o segundo grupo na segunda e quarta semanas.

Os cursos de especialização a distância permitiram o estabelecimento de várias parcerias no norte e nordeste do país, criando uma rede que poderia ser explorada num futuro próximo também pelos cursos de graduação a distância.

Houve expansão nos cursos presenciais para a região serrana do estado do Rio de Janeiro. Em levantamento feito à época, a cidade de Petrópolis não apresentava oferecimento de cursos de especialização pelas IES locais. Estabelecida uma parceria com uma instituição que possuía filiais em toda a região serrana, Três Rios e Juiz de Fora, cuja atuação se prendia a cursos de preparação ao vestibular, línguas estrangeiras e outros; foram abertos quatro cursos na área da saúde, atendendo a uma demanda local. Este parceiro também demonstrava alta competência para ser parceiro-chave nos cursos futuros de graduação a distância. Esta ação permitia que a IES expandisse sua área de atuação para além da sede (município do Rio de Janeiro), pois, no caso dos cursos de especialização, a legislação permitia atuar fora da sede, isto já não era possível nos cursos de graduação presencial.

3.1.6.2. Fase 2

No início de 2009, a alta direção havia sofrido modificações, com a assunção de um membro da família ao cargo de reitor. Esta mudança alterou a configuração da pós-graduação lato sensu. Um novo diretor foi escolhido pelo reitor e a nova política instaurada primava pela concepção de atuar de forma a reduzir o número de cursos e a aumentar o ticket médio.

As parcerias a distância foram encerradas, bem como a expansão para a região serrana foi desativada. A ideia era sair do modelo de cauda longa (long tail), que até aquele momento prevalecia nos cursos de especialização da IES. Este modelo preconiza a disponibilização de grande variedade itens (cursos), mesmo que em pequenas quantidades, ao invés de somente alguns produtos (cursos). Até então, buscava-se um grande volume de cursos, porém enfrentando muito menos concorrência. Cada curso oferecido atendia a um público em particular. O princípio norteador era segmentar ao máximo, tornando-se especialista em micro áreas, em vez de tentar englobar uma área genérica (Anderson, 2006).

Entretanto, a nova política era diametralmente oposta à anterior. Em cerca de um ano, o número de alunos despencou. Mesmo com um ticket médio bem mais alto, a receita caía a cada mês. Em 2011, o número de alunos nos cursos de especialização não chegava a 200.

3.2. Parte 2 - avaliação da estratégia

3.2.1. Análise da fase 1

O modelo implantado em 2005, baseado no tripé: fluxo contínuo, tabela escalonada e turma continuada, mostrou-se efetivo. De certa forma, princípios logísticos do just-in-time foram aplicados nesta fase 1.

Não se criaram estoques de cursos para serem vendidos. Os cursos eram cunhados e oferecidos no momento de sua necessidade pelo mercado, a partir de pesquisas do tipo survey que eram realizadas junto a alunos de último período em diversas universidades e, principalmente, na própria IES. Assim, a matéria prima para o produto (curso) era entregue a tempo de ser executado, não existindo estoque parado de cursos. Os cursos que não demonstravam capacidade para a adesão de alunos eram retirados do portfólio.

A parceria com os cursos de graduação mostrou-se fundamental. A agilidade nos processos de organização dos cursos de especialização e o envolvimento dos professores de graduação permitiu o crescimento na oferta de cursos sem a necessidade de investimentos em propostas pedagógicas antecipadas. Havia uma sugestão de projeto pedagógico, que já incluía os módulos comuns e o sistema de avaliação.

O fluxo contínuo, além de inserir novas receitas, promovia uma motivação adicional para as turmas. A entrada de novos alunos durante os cursos não desagregava ou produzia a exclusão dos novatos. A estratégia utilizada de formação de diversos grupos, que não se repetiam, e a metodologia utilizada pelos professores estimulava as alianças e o trabalho cooperativo sem a criação de silos, visto que os grupos eram alterados constantemente.

Um dos objetivos da criação dos cursos de especialização era gerar receita suficiente para o pagamento do investimento feito com os cursos de mestrado e doutorado da IES; isto foi alcançado já em meados de 2007. A esta altura, a pós-graduação lato sensu e stricto sensu estavam sob a égide do mesmo diretor.

A opção pela cauda longa demonstrou-se acertada. Oferecer cursos que os concorrentes não possuíam foi a estratégia que impulsionou o crescimento no número de alunos e tornou a IES referência nessas áreas. Por que competir pelos mesmos clientes? A IES foi à busca de uma demanda reprimida e não percebida pelo mercado. Aliou esta estratégia à sua vocação, principalmente, nas áreas de saúde e engenharias.

Nos dois primeiros anos de funcionamento da pós-graduação lato sensu, não houve rateio de todos os custos da IES sobre os cursos de especialização. A partir de então, um processo de rateio incidiu sobre eles. Até mesmo os salários da alta direção e de todos os dirigentes passaram a ser rateados entre os cursos de especialização.

De fato, com a existência ou não das especializações, todos os custos continuariam a ser os mesmos. As salas ocupadas aos sábados eram as remanescentes dos cursos de graduação; assim, a IES funcionaria normalmente mesmo sem as especializações. Da mesma forma, os custos com segurança, limpeza e energia não se alterariam.

O entendimento deveria ser o de custo afundado (ele existiria de qualquer forma), mas o juízo passou a ser outro e tudo foi rateado. Este fato lançou no imaginário dos dirigentes outra perspectiva, que corroeu todo o trabalho até então realizado. A ideia de que a especialização não era lucrativa passou a se instalar nas reuniões, mesmo com a apresentação dos resultados retirados dos próprios relatórios do sistema. Como não havia uma área financeira atuante que pudesse analisar corretamente os dados, ou buscasse uma análise através de cost drivers ABC (Activity Based Costing - método de custeio que está baseado nas atividades que a empresa efetua no processo de fabricação de seus produtos) e ABM (Activity Based Management - Player et al (1997) "a ABM é uma vasta disciplina que focaliza a administração das atividades como forma de maximizar o valor recebido pelo cliente e o lucro alcançado através dessa adição de valor” (p.3). O sistema de custeio baseado em atividades (ABC) é a principal fonte de informação, que fornece informações gestão. A ABM analisa e custeia as atividades por meio da análise dos respectivos cost drivers), a mentira repetida várias vezes transformou-se em verdade.

Outro ponto que mereceu correções ao longo do processo referia-se às turmas continuadas. Em algumas situações, tinha-se alunos que já haviam realizado o módulo que iria ser iniciado no mês seguinte. Para estes casos, a solução encontrada foi a de incluí-los nos módulos comuns, o que geralmente funcionava, mas gerava desconforto para os que queriam fazer esses módulos com seus pares.

3.2.2. Análise da fase 2

O retorno às ideias de cursos fora da cauda longa, com preços altos em relação ao público da IES, bem como o investimento em capturar alunos egressos de outras IES e a redução do portfólio foram as estratégias adotadas a partir de 2008. Ficou evidente que a mudança de rumo em direção ao Oceano Vermelho foi a derrocada no projeto de especialização.

A partir de 2014 os cursos passaram a ficar sob a responsabilidade de gerentes, que não mantinham qualquer identificação com os vários cursos que coordenavam. Uma das forças até então era o grande envolvimento dos coordenadores e professores dos cursos com a graduação. Muitas turmas eram articuladas já no último período da graduação. Assim, os egressos da graduação terminavam-na e já se inscreviam para as especializações.

O número reduzido de cursos no portfólio impedia o crescimento da receita e da margem de contribuição. Os preços acima das expectativas do público-alvo, com o objetivo de diferenciação do produto: não resultou.

O desmantelamento dos módulos de empreendedorismo e de metodologias, não permitiu que se compartilhassem várias turmas, o que reduzia as margens de lucratividade. Além disso, o módulo de empreendedorismo era uma inovação quando foi implantado, não sendo bem aceito no início pelos alunos, mas no decorrer dos cursos mostrou-se como um diferencial.

3.2.3. Incertezas/Riscos

Com base em duas incertezas, projetamos quatro cenários para o projeto de pós-graduação lato sensu desta IES.

A primeira incerteza que se apresenta é a desvalorização total dos cursos de especialização por parte do mercado. Muitas empresas já têm contratado pessoas muito mais pela experiência de tocar projetos e de trabalhos em grupo já realizados no mercado, do que propriamente pela experiência acadêmica adquirida. Mesmo na área de docência no ensino superior, a especialização não garante mais o acesso do profissional caso queira seguir a profissão de professor.        

A segunda incerteza é a desregulamentação do setor, permitindo a qualquer instituição o oferecimento de cursos de especialização na sua área de competência, ainda que a mesma não tenha qualquer relação com o ensino.

Quadro 1. Cenários
Pior cenário - Desvalorização e Desregulamentação
Cenários intermediários - Valorização e Desregulamentação
Melhor cenário - Valorização e Regulamentação

Fonte: do autor

O crescimento digital de cursos abertos e gratuitos online, certificados ou não, tem reduzindo a necessidade de se buscar uma IES para realizar a formação. Se qualquer instituição puder oferecer cursos nas áreas que detém competência, qual será o papel das IES num cenário como esse?

No caso da IES analisada, que estratégias poderiam ser formuladas?

3.3. Recomendações

Há que se tirar o foco do produto (curso) e pensar no ecossistema. Qual é a razão social para a existência de uma IES? Como ela está inserida no ecossistema de aprendizagem da sociedade?

3.3.1. Modelo Delta

Iniciemos as recomendações utilizando o modelo delta de análise. Desenvolvido por Hax e Wilde (2001), que trata da abordagem de gestão estratégica baseada no cliente. Para eles, o centro da estratégia é o cliente, e o mais importante é a ligação que se estabelece com ele. A centralização das ações no produto acaba por constranger os clientes; é como se o médico olhasse os exames, receitasse o produto, mas não conversasse com o paciente.

No modelo delta, definem-se as posições estratégicas que reflitam novas fontes de rentabilidade, a saber: melhores produtos, soluções de clientes e lock-in do sistema.

Na posição estratégica do produto, vamos nos apoiar nas Estratégias Genéricas de Porter (Porter, 2003), com foco na concorrência e na rivalidade do mercado, no pior cenário (Desvalorização e Desregulamentação). A IES teria, neste cenário, além das concorrentes tradicionais, novos entrantes no mercado em virtude da desregulamentação. As barreiras, tanto de entrada como de saída, seriam praticamente inexistentes o que aumentaria a rivalidade. A solução viria a ser centrada no cliente, de forma a afastar a concorrência. Para tanto, haveria que se alcançarem padrões próprios que promovessem a constância do cliente, em função dos altos custos para a troca de IES, além de elaborar cursos que dificilmente pudessem ser copiados pela concorrência. A opção aqui, então, seria pela diferenciação do produto e não pela redução dos custos. Não obstante, deve-se superar a visão da cadeia de valor e observar o ecossistema, pois há dificuldade em gerar vantagem competitiva sustentável; toda diferenciação pode ser copiada. Por esta razão, esta ação seria conjugada com a solução de clientes e o lock-in.

Na posição estratégica de soluções para o cliente, a empresa ofereceria uma solução de produtos ou serviços customizados, com a contribuição de parceiros complementares-chave que agregassem valor aos cursos, de forma a levar a IES a um outro patamar na relação com o cliente, buscando integração e engajamento dele com a IES. O conceito de complementar-chave "se define como uma empresa que possua um produto ou serviço que incentive o consumo de outro produto ou serviço" (Sielichoff & Costa, 2014, p. 5).

Na posição estratégica lock-in, a solução total para o cliente incluiria o exercício in loco. Desta forma, os parceiros complementares-chave proporcionariam uma experiência prática que não pudesse ser superada pela concorrência. O lock-in ocorrerá se os parceiros complementares-chave incentivarem o domínio do mercado por parte da IES.

Muitas IES investem tempo e dinheiro para descobrir suas vocações. A cultura é construída no cotidiano a partir dos diferentes saberes que surgem durante as interações, mas isto não é observado em muitos casos. Contratam-se consultorias para mostrar o que não é percebido, para se mostrar o que está oculto no aparente. Entretanto, esquece-se que o foco deve ser no cliente, que está em busca de soluções customizadas e não de cursos padronizados.

Mas do que adianta observar o mercado, a solução total para os clientes e o sistema lock-in, e se preocupar apenas no aprisionamento do cliente. Não há que se pensar em aprisioná-lo, pois ele se deixará cativar se efetivamente a relação for significativa. Esta relação só acontece com equipe e professores altamente engajados e motivados. São eles não os complementares-chave, mas os elos-chave para o sucesso de um empreendimento educacional e de inovação nesta área.

Mas como inovar? Como relacionar as oportunidades com a estratégia da empresa? Como uma ideia pode agregar valor? As boas oportunidades favorecem pessoas e empresas bem preparadas. Essa frente difusa necessita ser desvendada. O processo não é linear padrão como no desenvolvimento formal, que é direcionado para tornar realidade um conceito. Nesta conclusão, seguiremos alguns passos da Inovação Front End (Reid & Brentani, 2004).

3.3.2. Fuzzy Front End

Esse caminho tem cinco esforços específicos categoricamente distintos, que são implementados em um processo interativo não-sequencial que permite a descoberta, criatividade e validação de conceitos. Não sequencial, devido à natureza da descoberta e inspiração que vêm de uma entrada nova que está sendo injetada no processo de análise e que desencadeia a reavaliação de premissas anteriores (Koen, 2001). A análise deve seguir seu curso, pois todos os pressupostos são testados e modificados até que os participantes estejam convencidos de que eles têm um resultado ótimo, que estão prontos para avançar conceitualmente, ou o conceito é rejeitado e nenhuma ação adicional será tomada.

Há que se proceder a uma análise preliminar, que inclua avaliações de mercado, tecnologia e indústria de alto nível. A análise preliminar não é uma pesquisa de mercado, uma vez que esta inclui uma investigação mais focada sobre o tamanho do mercado e os segmentos de mercado.

Identificar o requisito de demanda é outro esforço que inclui a descoberta de clientes, a voz do cliente e outras pesquisas relacionadas. Trata-se aqui de compreender a demanda e as necessidades dos clientes, de forma a promover soluções customizadas.

Pesquisas translacionais incluem a construção de protótipos e a realização de estudos contínuos em domínios relacionados, projetados para demonstrar um aspecto chave de uma tecnologia de outro modo e em outros espaços.

Descoberta e desenvolvimento de tecnologias inclui localizá-las em fase inicial, externas ou internas e testar possíveis conceitos de produtos viáveis ​​mínimos. Este passo pode ser alcançado através do feedback antecipado dos clientes, individualmente ou em grupos focais. Os ensaios iniciais do produto, bem como o teste do conceito de processo, podem ser completados através de testes pilotos.

Análise e triagem de portfólio incluem um exame de cada inovação potencial com critérios que diferem substancialmente da análise numérica requerida pelo processo formal. O objetivo principal da análise de portfólio é priorizar inovações potenciais e fazer perguntas destinadas a aumentar a compreensão do conceito.

Mas que perguntas poderiam ser feitas neste caso? Algumas sugestões são apresentadas por Bagno, Freitas e Oliveira (2016).

Estamos envolvidos em atividades exploratórias que testem produtos e processos em novas possibilidades de aplicação, em novos materiais, em novos espaços?

Há disponibilidade de recursos físicos, financeiros e humanos que permitam explorar preliminarmente essas novas ideias de forma a testar alguns pontos de sua viabilidade?

Estamos monitorando as atividades políticas, o mercado, comportamento dos clientes que possam impactar o negócio atual e o seu futuro?

Há formas claras de se avaliar o potencial de novas ideias de elas se tornarem inovações para a empresa?

Há formas de se recuperar ideias que não se mostraram interessantes anteriormente, mas que podem passar a ser no cenário atual ou futuro?

4. Concluções

É importante que se criem estratégias para que as barreiras às ideias inovadoras não surjam na empresa. Evidentemente, a inovação gera inquietação em grupos que não estejam participando do processo. Assim, antes de submeter ou divulgar as inovações, há que se realizar os passos do Front End. Além disso, o tempo dedicado ao Front End do processo de inovação não deve prejudicar o gerenciamento do negócio atual.

Entretanto, se não for possível a criação de um terreno fértil para o surgimento, avaliação e implementação de ideias inovadoras na instituição, e a proteção de ataques prematuros a elas: todo o esforço realizado pode ser inócuo.

Não há como escapar dos problemas organizacionais que surgem com o crescimento e as inovações implantadas pela empresa. O importante é que vale a pena crescer. As empresas, na maioria dos casos, têm percursos marcados por avanços, estagnações e retrocessos. Poderíamos dizer que são mais percalços do que percursos. As curvas de aprendizagem se dão de diferentes maneiras e em tempos próprios, dependendo da cultura e do ecossistema em que habitam. Mas o aprendizado só ocorre com a decisão de crescer. Elas só evoluem se crescerem, se saírem da zona de conforto; em síntese: quando inovam.

A empresa que não inova, não cresce; perece. As empresas que só observam tendências e se apegam a dados do passado focalizam muito o risco em uma perspectiva que, de certa forma, descortina uma aversão ao desafio. Muitos líderes se apegam a decisões do passado em vez de problematizar e levantar questões que se atêm ao presente e à dinâmica do mercado. O passado, principalmente na contemporaneidade, acaba por não nos dar elementos suficientes para o crescimento.  Para crescer, há em si, implícita, uma postura de lançar-se diante das incertezas, que não podem ser quantificadas em dados numéricos, muito menos se observando apenas o passado.

Verificar o percurso que a empresa construiu o modelo utilizado de gestão, em suas diferentes fases, não pode refrear a busca pela problematização, pela identificação das demandas dos consumidores. As crises são constantes e persistentes; sempre vêm. Não se pode esperar por elas. Vivemos em uma sociedade de risco. Assim, não há como se contentar com o que está, como o que passa, pois “quando se vê, já são seis horas! Quando se vê já é sexta-feira! Quando se vê, já é natal... Quando se vê, já terminou o ano” (Mario Quintana).

Algo que percebi nesses 20 anos, atuando como gestor, é o poder da força do início. Apesar de muitas das empresas que conheci trabalharem sem um plano de negócio, ou mesmo possuindo-o, não fazer uso dele em seu início, essa postura parece alimentar uma problematização constante, o que gera um rápido crescimento. Em seguida, o crescimento demanda maior nível organizacional, maior controle, e isto, por vezes, exacerba a hierarquização e o afastamento da realidade que ocorre na ponta.

Existem diversos exemplos sobre a euforia que se apresenta quando de um rápido crescimento, e como líderes carismáticos são importantes para o crescimento da empresa. A vontade é infinita, mas a potência e o entendimento são finitos. Assim, necessário é compreender e ajustar a vontade ao que se apresenta nos diferentes cenários possíveis. O pior que pode ocorrer a uma empresa é se deixar levar pelas circunstâncias. É necessário optar. Decidir neste caso não é renunciar. Decidir é condição fundamental para a sobrevivência e crescimento da empresa.

A criatividade e a aprendizagem que se edificam a partir do enfrentamento dos problemas que surgem nos desafios e nos objetivos superam o nível da subsistência. Períodos turbulentos fazem parte da vida de qualquer empresa. Soluções bem-sucedidas no passado, não significam que darão certo no presente. Esse entendimento faz a diferença quando se pretende atingir a fase colaborativa dentro da empresa. E crescer é parte fundamental para que uma história de colaboração floresça.

Referências bibliográficas

Bagno, R. B.; Freitas, L. S.; Oliveira, M. G. (Org.). (2016). Gestão da inovação de produtos e serviços: pesquisas e práticas atuais. Belo Horizonte: IGDP.

Chandler, A. D. (1977). The Visible Hand. Cambridge, Massachusetts, The Belknap Press of Harvard University Press.

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1. PhD - Univesidade Salgado de Oliveira, Niterói, Brasil. ca.figueiredo@yahoo.com.br


Revista ESPACIOS. ISSN 0798 1015
Vol. 39 (Nº 46) Ano 2018

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